terça-feira, 15 de abril de 2014

Boa noite, meu nome é Raquel e eu sou uma covarde.
Antes que alguém duvide ou julgue, explico que não sou dessas pessoas covardes simples, de nascença. Fui uma criança razoavelmente exploradora, uma adolescente tão impulsiva que beirava o kamikaze e uma jovem conhecida pela audácia. A covardia entrou na minha vida num processo: chegou discreta, uma mudinha ali no canto, um broto de "deixa pra lá, eu nem estava tão assim a fim dele". E foi crescendo na superfície, até se infiltrar e criar raízes tão profundas que estão aqui até hoje no meu coração-xaxim. Porque a minha covardia tem mais essa peculiaridade: mato baratas com maestria, mas tenho crises fóbicas ao ouvir certas canções de amor.
A catalepsia chega num ponto que foi capaz de congelar o tempo, e 3 anos se passaram num bater de cílios. E se eu tentar achar a primeira muda dessa erva-daninha terei alguma dificuldade na busca, mas sei como ela se fortaleceu: entrando nas sucessivas fendas abertas na alma a cada não, a cada expectativa que ia embora, a cada sombra  de uma suposta rejeição recebida como certeza. Porque enfim chegou um tempo que a sombra da sombra de um não passou a ser capaz de cortar a carne e chegar no meu epicentro. Pronto: me fiz covarde.
Agora estou aqui, finalmente ansiosa por matar essa raiz, sem conseguir me desenredar dela. Aquilo que eu mais desejo é aquilo que mais temo. É ter claustrofobia e não conseguir ficar em casa, e ao mesmo tempo ser agorafóbica e não tolerar o mundo lá fora: nenhum lugar é mais confortável, nem dentro de mim. Porque ficar é continuar ansiosa por sair, e sair é a todo instante querer voltar pra cama.
 E é por isso que nem eu me reconheço. Não mais me obedeço, abro a boca e o som não sai, levanto o pé e não dou o passo. Me contradigo e o que era pra ser um recado claro vira exatamente o oposto. Parece que o braço dá choque e não tem ensaio que resolva. E aí cada vez que eu erro a deixa são mais algumas horas remoendo a vontade de chutar minha própria bunda, voltar os ponteiros e dizer "volta aqui, eu tenho algo mais pra te falar". Mas tudo o que eu consigo é murmurar qualquer coisa e odiar o relógio que não volta, só me assombra com esse tic tac fantasmagórico e um deadline desconhecido (quase uma dança das cadeiras, em que se você não tiver um bom timing, perdeu playboy - mais raízes).Nesse compasso cada passo despercebido pela humanidade é um grande passo para uma mulher.
E não bastando o monólogo, tem você, o interlocutor. Muitos já passaram por mim e não foram além de um ou outro cuidado, e tornar-se item de uma coleção de memórias e arrependimentos e "e se".Nem mesmo um amor tão superlativo foi capaz de quebrar meu mutismo, só o fez piorar. Aí a última pessoa do mundo que eu podia imaginar é quem me deu voz, de tantas formas. Não sei se foi a surpresa de me ver envolvida por você se foi tua doçura quando quer ou o bater dos teus cílios, mas você tem sido tão precioso nesse processo de quebra das raízes da minha covardia.
Não, ainda estou muuuuuuito longe de ser Maria Callas. Mas aos poucos a voz está saindo, ainda rouca, baixa e fanha, mas algum som está saindo. Então mesmo que ainda não saia a música, só o fato de já ter voz para tal me faz ser mais grata a você. Que música está tocando aqui dentro também não faço a menor ideia, e isso é a melhor e a pior coisa dessa história, porque se eu não sei que música está tocando aqui dentro, não sei o que estou arriscando, para o bem e para o mal -  sem a pressão dos superlativos das histórias definitivas, mas tampouco com qualquer firmeza neste chão. Não faço ideia de que música toca nos meus fones porque não consigo ouvi-los, mas também não consigo te ouvir.
Mas sei de uma coisa: que nesta história, desta vez, não posso deixar de soltar a voz nem que seja só um trinado. Agora só falta matar de vez essa covardia e mudar o início do texto.